segunda-feira, 11 de maio de 2009

Cotas na universidade pública



Volta a ser discutido com intensidade o tema cotas nas universidades públicas. Como sempre, temas que implicam em mudanças mais profundas provocam debates acalorados, predominando as opiniões contra a mudança. O ser humano é essencialmente conservador. Por isso, no calor dos embates, quando a emoção predomina, é necessário cuidado para que a ética dos argumentos não seja sacrificada por racionalidades aparentes, que pretendem apenas a manutenção do status quo. Por esse caminho muitas transformações necessárias ficam para o futuro. Assim, em relação à reserva de vagas, afirma-se que significará um "nivelamento por baixo" e a solução é melhorar a qualidade do ensino do primeiro grau nas escolas públicas. Atrás dessa obviedade, existe a intenção de negar a necessidade de se discutir e até implantar ações afirmativas, entre elas a cotas nas universidades públicas.
A questão mais freqüente levantada é que haverá uma queda no nível dos candidatos aprovados no vestibular e em conseqüência uma redução da qualidade dos cursos. Este argumento pressupõe que os métodos seletivos do vestibular são inquestionáveis. A realidade não é bem assim. Sabe-se que pessoas com potencial de crescimento maior que outras podem ser excluídas, só porque não tiveram oportunidade de estudar em colégios com melhor padrão de ensino e lhe faltaram condições favoráveis à aprendizagem.
Por outro lado, o grupo, que é a favor das cotas, de forma desastrosa e sem facilitar a mudança, tem tratado o assunto de forma açodada e radical. Um tema tão complexo não pode ser abordado na pressa como se pretende, já colocando em votação no Congresso ainda em abril/06 a criação, por lei, de cotas nas universidades federais. Pela proposta aprovada na Comissão de Educação da Câmara, seria 12,5% em 2007 com aumento anual até chegar a 50% de vagas reservadas já em 2010.
Segue-se uma contribuição ao debate do assunto. Temos acompanhado a Universidade de Pernambuco (UPE), que há dois anos, experimentalmente, implantou um sistema de reserva de vagas, em todas suas unidades. Na UPE, 20% das vagas estão reservadas para alunos que fizeram seus estudos em escola pública. Alguns resultados preliminares, já permitem um melhor posicionamento quanto ao tema. Tem-se observado que os cotistas, pelo entusiasmo e motivação de poderem fazer um curso superior e numa boa instituição de ensino, rapidamente se nivelam aos demais alunos. Ressalte-se que essas pessoas se submeteram ao mesmo processo seletivo, tendo o mérito de se destacar no seu grupo social, mesmo em condições adversas de ensino e pobreza.
Outra fonte de controvérsia no debate é a criação de vagas para grupos raciais, como negros e índios. No projeto de lei em discussão no congresso, esse enforque é adotado. Os opositores alegam a dificuldade de caracterização da raça de um indivíduo no Brasil. O argumento procede, pois embora tenhamos uma grande dívida social com os negros e índios, a miscigenação racial impede, em muitos casos, que se saiba precisar a raça de uma pessoa. Foi muito difundido o caso de vestibulandos, aparentemente da raça branca, entrando na cota reservada aos negros na UFRJ. Achamos que a UPE decidiu sabiamente, quando adotou o critério de 20% das vagas para alunos vindos da escola pública. Atende a um postulado de justiça, dando oportunidade a pessoas de diferentes raças, vítimas da discriminação mais grave, a provocada pela pobreza.
A experiência da UPE poderia ser aproveitada em nível nacional, adotando-se o mesmo critério dessa instituição e fixando-se um prazo de cinco anos para avaliação dos resultados. Em paralelo à criação das cotas deveriam ser adotadas medidas complementares para a efetiva implantação da mudança. Por exemplo, a concessão de ajuda financeira que permita aos alunos mais pobres participar dos cursos. A UPE, embora tenha pensado na medida, não teve meios financeiros para implementá-la. É preciso coragem e ousadia para mudar, mas também sabedoria e prudência. A Universidade de Pernambuco pode trazer um subsídio importante à discussão e implantação das cotas. Essa mudança pode contribuir para a diminuição das desigualdade no nosso País. Pode ajudar também num despertar de consciência para o papel e lugar da universidade pública no Brasil.




  • O que é reserva de vagas?
    É uma política oficial, nascida de um Projeto de Lei, o PL 73/99, da deputada Nice Lobão (PFL-MA), que estabelece um sistema de reserva de vagas para universidades públicas, baseado no desempenho escolar dos alunos do Ensino Médio. Com o substitutivo do deputado Carlos Abicalil (PT-MT) ao projeto original, há a destinação de 50% das vagas para quem cursou o Ensino Médio em escolas públicas. Dentro desse percentual, são reservadas vagas a alunos que se declararem negros ou índios, em uma proporção igual à população de negros e indígenas em cada estado brasileiro, segundo os indicadores do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
    Objetivo: Democratizar o acesso ao Ensino Superior com base em critérios raciais.
    Argumentação: Todos os estudos recentes, de distribuição de renda no país, mostram que a população negra e os povos indígenas têm sido sistematicamente excluídos da sociedade brasileira ao longo da história.
    Universidades pioneiras
    A primeira foi a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em 2003. Em seguida, a Universidade de Brasília (UnB), em 2004. A opção, parte do Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial da UnB, será aplicada por um período de 10 anos. Após esse período o sistema será reavaliado.
    Como concorrer (na UnB)
    O candidato deverá se autoproclamar negro e optar pelo Sistema. O vestibular, tanto no sistema tradicional, como no de Cotas para Negros, exige do candidato, no mínimo:
    Nota maior que zero na prova de língua estrangeira;
    10% da nota na prova de Linguagens e Códigos e Ciências Sociais;
    10% da nota na prova de Ciências da Natureza e Matemática;
    20% da nota no conjunto das provas

    Para você(s) a reserva de vagas por critério racial:
    • é suficiente para a inclusão social do Negro? • não poderia redundar em injustiça com outros grupos também excluídos?


  • Renda
    Os 10% da população mais abonados dispõem de 46,9% da renda nacional; no outro extremo, 0,7% da renda é disputado pelos 10% mais pobres.


  • Afro-descendentes na docência superior
    Um manifesto em defesa da reserva de vagas, assinado por centenas de intelectuais, argumenta, entre outros aspectos, que 45,6% da população brasileira são afro-descendentes, mas nem 1% dos professores das universidades públicas é negro.


  • Posição dos negros na sociedade
    O Brasil tem uma população autodeclarada negra de 46%, dos quais 5,6% são pretos e 40,4%, pardos (IBGE). O diploma universitário é privilégio de 6,8% da população com mais de 25 anos; desses, 82,8% são brancos, 14,3% são negros (12,2% pardos, 2,1% pretos), 2,9%, outros (F. Escóssia, 03/12/2003). O rendimento médio mensal da população negra ocupada é 50% menor que o salário médio da população branca, mesmo que os negros possuam em média 1,5 anos de estudo menos do que os brancos (Instituto Ethos, 2003:6; Ballan, 2002:37). (
    www.scielo.br)
    6.º Minoria negra no clero católico
    “A Igreja Católica está há mais de 500 anos no Brasil, evangelizando. Mas, só tem mil padres negros para 12 mil padres brasileiros”. (Prof. Luiz Felipe de Alencastro – Titular de História do Brasil na Sorbonne – Paris – Folha de SP – 09/07/06).


  • Argumentos:
    A FAVOR
    “Com a reserva de vagas, também se pôde ver como o racismo é arraigado na sociedade, como mostram os setores contrários às cotas, que não querem dividir seu espaço na universidade com outros”.
    Maria Cláudia C. Ferreira, pesquisadora do PROAFRO
    “Sou a favor de qualquer medida que altere a ausência de afro-descendentes nas universidades. As políticas tradicionais não vão desarmar o racismo da sociedade brasileira”.
    Paulo S. Pinheiro, secretário nacional dos Direitos Humanos
    “O rendimento acadêmico dos cotistas é, em geral, igual ou superior ao dos alunos que entraram pelo sistema universal. [...] A prática de cotas tem contribuído para combater o clima de impunidade diante da discriminação racial no meio universitário”.


  • CONTRA
    “Políticas dirigidas a grupos ‘raciais’ estanques em nome da justiça social não eliminam o racismo e podem até mesmo produzir o efeito contrário, dando respaldo legal ao conceito de raça e possibilitando o acirramento do conflito e da intolerância. [...] O principal caminho para o combate à exclusão social é a construção de serviços públicos universais de qualidade nos setores de educação, saúde e Previdência, em especial a criação de empregos”.
    Manifesto “Todos têm direitos iguais na República”, assinado por 114 intelectuais e artistas contrários à aprovação da Lei de Cotas e do Estatuto da Igualdade Racial
    “O abismo mais gritante na sociedade brasileira é o que afasta os abastados dos miseráveis, separação esta que exige dos poderes públicos uma resposta não meramente compensatória, mas sim estrutural e voltada para o futuro da nação”.
    Pierre Souto Maior C. de Amorim
    “Expandir o emprego, garantir o direito à saúde, educação, segurança, etc., são as únicas conquistas capazes de promover, geral e substancialmente, os imensos setores reduzidos à mais dura exploração, sejam afro-descendentes ou não”.
    Mário Maestri, A racialização do Brasil
    O estudo dos antropólogos Yvonne Maggie e Peter Fry, denominado “A Reserva de Vagas para Negros nas Universidades Brasileiras”, traz inúmeras cartas de leitores (Jornal O Globo). Amostras:
    “Sou negra. (...) Irão preencher as cotas os negros mais bem preparados e de melhor nível econômico, e que não precisam das cotas. O projeto é demagógico, sem finalidade social”.
    Maria E. de L. Paes Leme
    “A cota para negros discrimina o branco mais pobre. Querer superar uma injustiça produzindo outra não parece ser o melhor caminho”.
    Hélio de A. Evangelista
    “Qual a diferença entre um negro pobre e um nordestino igualmente desprovido? (...) Por que não reconhecer que a causa real do problema é a má distribuição de renda? Por que não reforçar o Ensino Fundamental e Médio de forma democrática? Essa é a solução real, ainda que mais difícil”
    Helena Rumanjek
    Dúvidas
    1.º O sistema de cotas reserva vagas a alunos “que se declararem negros ou índios”. Evidentemente, o critério é passível de dúvidas como a de Marco Fonseca: “Sou neto de uma negra, mas tenho pele branca. Isso me faz negro ou branco?”.
    2.º Estabelecer um mecanismo legal para facilitar o ingresso mais ‘democrático’ nas Ifes, apesar de beneficiar um pequeno grupo de matriculados, mudou a qualidade do ensino superior?
    3.º Apenas 10,4% dos jovens entre 18 e 24 anos conseguiram vencer o Ensino Médio e entrar na faculdade. A maior parte dos demais nem tentou. E se tentasse? O governo reservaria 100% das vagas da Ifes para egressos da rede pública?
    Pesquisa e análise
    Pesquisa eleitoral do DataFolha
    Pesquisa efetuada em 17 e 18 de julho de 2006, com 6.264 eleitores, a partir de 16 anos de idade, em 272 municípios.
    • Pergunta 27 – Um dos pontos do projeto (do Estatuto da Igualdade Racial) prevê que, no mínimo 20% das vagas em universidades públicas e particulares sejam reservadas para pessoas negras e descendentes de negros, independentemente das notas obtidas no vestibular em relação aos que não são negros. Você é contra as cotas, isto é, que sejam reservadas vagas para negros e descendentes de negros nas universidades?
  • 65% a favor
  • 25% contra
  • 6% não sabe
  • 4% indiferente

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